Friday, June 23, 2006

Rappers diversificam temática e valorizam a métrica



ADRIANA FERREIRA SILVA
da Folha de S.Paulo

Rodrigo Brandão, Lurdez da Luz, Kamau, Parteum, Paulo Napoli podem ser nomes totalmente desconhecidos para muitos. Mas eles estão entre os autores de algumas das letras mais poéticas da música brasileira atual.

Em comum, há o fato de serem rappers. Entre os compositores consagrados que já perceberam isso está o ministro da Cultura, Gilberto Gil, para quem esses novos letristas de rap são "muito hábeis". "Acho que eles desenvolveram uma habilidade grande e fazem isso com muita beleza", afirmou em entrevista à Folha.

Outro entusiasta é Chico Buarque, que, em um bate-papo com o escritor Paul Auster, publicado pela Folha em 2005, afirmou que o rap é "o tipo de música que uma vez foi feita, por mim e por outros, com uma temática social. Eles [os rappers] fazem isso melhor".

Talvez por isso, além de Mano Brown, do Racionais MCs, Chico Buarque seja o outro medalhão citado como influência por eles. "Minhas referências são, principalmente, Chico Buarque, Luiz Tatit e Itamar Assumpção, que não são rappers, mas são bons rimadores", conta Paulo Napoli, 29.

Alguns popstars, como o próprio Gil, além de Caetano Veloso e Zélia Duncan, já até rimaram ao lado de MCs. Os três participaram do segundo CD de Rappin'Hood.

"Não me importa que seja um modelo americano, até no jeito de se vestir; me importa o discurso, que diz respeito a todos nós", afirma Zélia Duncan.

Mas é exatamente pelo discurso, que muitos ainda acham ser feito por "manos" para "manos", que esses compositores não foram revelados. No entanto, um olhar atento às letras mostra que esse universo vai muito além das quebradas e favelas, e as preocupações ao compor tangem poesia, métrica, rima e linguagem.

Nova escola

"Tenho influência das cacofonias do Luiz Tatit, que é um engenheiro de rimas", explica Napoli. Ele faz parte da segunda geração do rap --a primeira é a de Thaíde, DJ Hum e Racionais. Entre as características dessa turma, está a diversificação temática, que passa por letras de amor e complexas reflexões sobre a cidade.

Desse tópico, quem melhor trata é o Mamelo Sound System, formado por Lurdes da Luz e Rodrigo Brandão. Lurdes, 26, diz que eles procuram fazer algo original sobre um assunto que norteou a velha-escola do hip hop americano. "Os raps clássicos sempre falaram sobre a história de sua cidade e de como isso influencia seu dia-a-dia, ressaltando principalmente os aspectos cruéis", afirma.

Lurdes é autora de uma música com vocação para hit, "Liri Sista", em que fala sobre uma levada reggae. ""Liri" é um trocadilho com "lyrics", e "sista", com "sister" [letras e irmã, em inglês]", explica.

"Gosto de fazer combinações não tão usadas. Pensar em palavras originais para terminar as rimas", diz. "Depois, vem a parada do ritmo. Não tenho muito claro como seria a métrica, tipo poesia, que as pessoas contam as sílabas, mas existe a cadência, que influencia como vou fazer a levada."

Brandão, 32, também se guia pela intuição. "Não fico pirando nesse bagulho de métrica, porque acho que isso segue escolas de poesia que o hip hop vem para quebrar", diz. "Prefiro ir burilando, escutando muito som e buscando certas divisões para ficar mais gostoso musicalmente."

Outro que dispensa regras é Kamau, 30, conhecido no meio hip hop por sua habilidade como improvisador. "Tento diversificar a métrica de acordo com a base e com o verso que está na minha cabeça, com o que quero falar."

Ritmo e poesia

O rap, explica o músico e professor da USP Luiz Tatit, é um estilo de canção que explora "a presença da fala". Por isso, segundo os rappers, é tão importante a tal levada.

"Se não for musical, tá chato, vira palanque", acredita Brandão. "O MC não é um cantor, não está interpretando uma melodia, mas tem que obedecer uma certa divisão rítmica e serve como um instrumento", teoriza Parteum, 30.

Fábio Luiz, o Parteum, é autor de uma canção gravada por Ed Motta, "My Rules", e produziu faixas para Tom Zé, Nação Zumbi e seu irmão Rappin'Hood. Hoje, cuida do novo CD de MV Bill.

Suas letras se destacam por um rico vocabulário, reunido em rimas bem escritas. "Tento desenvolver algo que me satisfaça dentro e fora da música", diz Parteum. "O que faço tem vida própria, poderia ser um texto num blog ou um capítulo de um livro. Cabe a quem compra."

A poesia é um aspecto que, acredita Parteum, ando meio esquecido entre os rappers e precisa ser resgatado. "É fácil reclamar. Difícil é fazer isso com requinte."

fonte: www.tocae.blogspot.com

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